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A proposta de emenda à constituição nº 65/2023 e a mudança no regime jurídico do banco central do brasil

O Banco Central do Brasil foi criado por meio da Lei nº 4.595/64. É uma Autarquia de Natureza Especial e tem como principal função o controle e fiscalização da Política Monetária Nacional.

A Constituição da República de 1988 estabeleceu importantes dispositivos para a atuação do Banco Central do Brasil no Sistema Financeiro Nacional, inclusive o exercício exclusivo da emissão de moeda.

Com a edição da Lei Complementar nº 179/2021, o Banco Central do Brasil deu um passo importante para o reconhecimento de sua autonomia, estabelecendo mandato do Presidente e dos Diretores com duração de 4 (quatro) anos.

Em 2023, na tentativa de ter ainda mais autonomia em relação à União, foi apresentado ao Senado Federal a Proposta de Emenda à Constituição nº 65/2023, cujo conteúdo normativo segue baixo:

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº , DE 2023

Dispõe sobre o regime jurídico aplicável ao Banco

Central.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:

Art. 1º. A Constituição Federal passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 164. ………………………………………………………………………………………..

§ 4º O Banco Central é instituição de natureza especial com autonomia técnica, operacional, administrativa, orçamentária e financeira, organizada sob a forma de empresa pública e dotada de poder de polícia, incluindo poderes de regulação, supervisão e resolução, na forma da lei.

§ 5º A vedação do inciso VI, “a”, do art. 150 é extensiva ao Banco Central, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.

§ 6º Lei complementar, cuja iniciativa observará o disposto no caput do art. 61, disporá sobre os objetivos, a estrutura e a organização do Banco Central, asseguradas:

I – a autonomia de gestão administrativa, contábil, orçamentária, financeira, operacional e patrimonial, sob supervisão do Congresso Nacional;

II – a ausência de vinculação a Ministério ou a qualquer órgão da Administração Pública e de tutela ou subordinação hierárquica.

§ 7º A fiscalização contábil, orçamentária, financeira, operacional e patrimonial do Banco Central, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, com o auxílio do Tribunal de Contas da União, e pelo sistema de controle interno do Banco Central. Banco Central e a União.” (NR)

Art. 2º. Aos atuais servidores do Banco Central do Brasil será assegurada, nos termos da lei, a opção, de forma irretratável, entre carreiras congêneres no âmbito do Poder Executivo Federal e o quadro de pessoal do Banco Central.

Parágrafo único. Após o término do prazo para opção, os servidores optantes permanecerão em exercício no Banco Central até a recomposição de seu quadro de pessoal, consoante disposto em lei.

Art. 3º. Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de

sua publicação.

Como se vê, a Proposta de Emenda à Constituição foi apresentada com o escopo de ampliar a autonomia técnica, operacional, administrativa, orçamentária e financeira do Banco Central do Brasil, além de alterar sua estruturação legal, sua natureza jurídica e, sobretudo, o regime funcional do seu quadro de servidores.

No entanto, algumas críticas devem ser feitas ao conteúdo normativo apresentado na proposta, tanto com relação aos aspectos formais quanto aos aspectos materiais de constitucionalidade.

Com relação ao aspecto formal de constitucionalidade, a Proposta de Emenda à Constituição nº 65/2023, dentre outras matérias, versa sobre a forma de organização do Banco Central e do regime jurídico de seus servidores. Logo, por não ser matéria necessariamente reservada à Emenda Constitucional, é imprescindível que se observe a iniciativa do Chefe do Poder Executivo, com o objetivo de se evitar burla ao processo legislativo.

E note-se que apesar de a Constituição da República ser classificada pela doutrina brasileira como analítica, isto é, de conteúdo extenso e com temas estranhos ao funcionamento do Estado, o fato é que determinadas matérias apenas podem ser regulamentadas por atos normativos específicos.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal possui entendimento de que uma matéria reservada à determinada espécie normativa não pode ser substituída por outra, ainda que o quórum de aprovação seja mais dificultoso, consoante julgamento proferido na ADI 5.700/PI de Relatoria do Min. Alexandre de Moraes.

De outro norte, quanto ao conteúdo material, a hipotética alteração do Banco Central do Brasil de autarquia para empresa pública traz impacto importante em uma das figuras centrais do Direito Administrativo, o denominado “Poder de Polícia”. O traço mais marcante do instituto do Poder de Polícia é a subordinação do cidadão ao Estado, em decorrência da supremacia do interesse coletivo sobre o particular.

Desse modo, denota-se que o poder de polícia é da essência das funções do Estado, função superiormente típica e que implica o uso de poder autoritário, coativo. Logo, o poder de polícia significa toda e qualquer ação restritiva do Estado em relação aos direitos individuais.

Nesse ponto, embora o Supremo Tribunal Federal tenha reconhecido a compatibilidade entre o Poder de Polícia e a forma de Empresa Pública, no julgamento do caso da BHTRANS[1], o fato é que o Banco Central do Brasil possui peculiaridades no exercício de suas atribuições, sobretudo com características de contenção de atividades subversivas ao sistema financeiro e potencialmente atentatórias à Segurança Nacional e à Economia.

Desse modo, dada a missão Constitucional reservada ao BANCO CENTRAL DO BRASIL, que é a de garantir a estabilidade do poder de compra da moeda, zelar por um sistema financeiro sólido, eficiente e competitivo, a detenção do monopólio de emissão de moeda, a supervisão do sistema financeiro e de executor da política monetária nacional, é razoável concluir que suas atribuições são incompatíveis com a natureza de empresa pública.

E tal situação além de implicar em questões estratégicas como visto acima, altera também o regime jurídico de contratação de pessoal, que é o objeto principal do presente artigo.

Isto porque o art. 2º da PEC 65/2023 prevê que aos atuais servidores do Banco Central do Brasil será franqueada uma opção de transferência entre carreiras congêneres no âmbito do Poder Executivo Federal e o quadro de pessoal do Banco Central do Brasil, observe:

Art. 2º. Aos atuais servidores do Banco Central do Brasil será assegurada, nos termos da lei, a opção, de forma irretratável, entre carreiras congêneres no âmbito do Poder Executivo Federal e o quadro de pessoal do Banco Central.

Parágrafo único. Após o término do prazo para opção, os servidores optantes permanecerão em exercício no Banco Central até a recomposição de seu quadro de pessoal, consoante disposto em lei.

Assim, aqueles que não optarem pela transferência entre carreiras congêneres, seriam transformados em empregados públicos celetistas. Ocorre que a transferência esbarra no teor da Súmula Vinculante nº 43 do Supremo Tribunal Federal, observe:

Súmula Vinculante nº 43 – STF

É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido.

Outro ponto que merece muita atenção na referida Proposta de Emenda à Constituição está relacionada com a aplicação do teto remuneratório, previsto no art. 37 § 9º da Constituição da República, que veda o recebimento de supersalários por agentes públicos, excetuadas as hipóteses de entidades não dependentes do Orçamento Geral da União. Neste caso, com a aprovação do texto proposto, os vencimentos dos servidores/empregados do Banco Central do Brasil não estariam limitados ao teto do salarial como referência do Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Por fim, importante chamar atenção ainda para outras duas questões: a) estabilidade e b) regime de previdência. Com relação à estabilidade, a transformação do Banco Central do Brasil em empresa pública impõe a contratação por meio da CLT, o que afastaria a um só tempo a estabilidade e o regramento de aposentadoria atualmente previsto.

Isto porque, um servidor público estável só poderá ser demitido após instauração de procedimento disciplinar voltado à apuração de uma conduta passível de punição com pena de demissão, assegurado o contraditório e a ampla defesa, ao passo que um empregado público regido pela CLT poderá ser demitido a partir de uma motivação, isto é, um fundamento razoável e não se exige o enquadramento nas hipóteses de justa causa. Sobre a estabilidade dos empregados públicos, observe o recente entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 1.022:

“As empresas públicas e as sociedades de economia mista, sejam elas prestadoras de serviço público ou exploradoras de atividade econômica, ainda que em regime concorrencial, têm o dever jurídico de motivar, em ato formal, a demissão de seus empregados concursados, não se exigindo processo administrativo. Tal motivação deve consistir em fundamento razoável, não se exigindo, porém, que se enquadre nas hipóteses de justa causa da legislação trabalhista”

Portanto, a estabilidade assegurada no art. 41 da Constituição Federal, não é extensível aos empregados públicos, ainda que admitidos mediante concurso público, uma vez que a eles é aplicável o regime jurídico de direito privado.

CONCLUSÃO

Desse modo, diante de tudo que foi exposto, é possível notar que a PEC 65/2023 merece severas críticas, tanto com relação à formalidade, quanto ao conteúdo da norma, sobretudo em razão da relevância do Banco Central do Brasil para a Segurança Nacional e Estabilidade Econômica.

Além disso, a referida proposta coloca em risco a estabilidade e o regime previdenciário dos servidores públicos atualmente ocupantes de cargos junto àquela autarquia de natureza especial, pelo que, se recomenda o profundo debate da matéria e a alteração da redação inicialmente proposta.


[1] [1] RE 658.570 Min. Roberto Barroso. Maioria. Em 06.08.2015.

José Hailton Lages Diana Júnior

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