O Conselho Nacional de Justiça acolheu pedido de entidades médicas para alterar a tabela processual unificada do judiciário, onde são catalogados os processos, para que os assuntos que antes eram denominados “erro médico” passem a ser reclassificados como “danos materiais e/ou morais decorrentes da prestação de serviços de saúde”.
A principal fundamentação para a alteração é que o termo antes usado (“erro médico”) trazia consigo um peso de pré-julgamento, de forma que a partir do enquadramento do assunto com a nomenclatura, o médico já sofria uma presunção de parcialidade desde o protocolo da demanda. O pedido de alteração da nomenclatura foi encabeçado pelo Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC), com apoio do Conselho Federal de Medicina.
É sabido que a partir do entendimento da legislação vigente, os médicos, via de regra, devem ser julgados sob o prisma da responsabilidade subjetiva, que é aquela que depende da comprovação da culpa, e culpa, para o direito, entende-se pela negligência, imprudência e/ou imperícia comprovadas no processo.
A responsabilidade civil do médico depende de uma análise complexa, realizada por meio da apreciação de prontuários clínicos e cirúrgicos, estudos de literatura médica e na grande maioria das vezes conta ainda com a necessidade de prova técnico pericial. Isso tudo porque a medicina por si só é uma ciência complexa, não à toa é um dos cursos com maior duração na graduação.
Como, então, antes mesmo de todo esse procedimento transcorrer e de se chegar a conclusão de que o médico concorreu para aquele dano, podemos chamar o imbróglio de “erro”?
É importante destacar que a sociedade não perde. Não há qualquer limite para que o cidadão acesse as vias necessárias para ingressar com a ação judicial pretendida, não houve mudança de rito ou burocratização de qualquer sistema. O que muda é a nomenclatura no momento da distribuição da ação. O “erro médico” não será mais o termo usado para classificar aquele processo que será distribuído ao judiciário. E apesar de parecer um detalhe, o impacto é grande.
A categorização dos processos pelo termo “erro médico” atribuía à classe médica um ônus que, por vezes, sequer decorria da sua atividade. Como exemplos podemos citar situações em que o que está sendo demandado pelo cidadão envolve problemas de gestão, problemas de atendimentos realizados por outros profissionais de áreas diversas que atuam nos hospitais e erros de instituições hospitalares. Todas essas questões eram categorizadas como “erro médico” e as vezes a atuação do médico propriamente dita não estava sequer sendo questionada na ação judicial.
A classificação dos processos como erro médico colocavam o médico na linha de frente, atraindo para si eventuais pesos e culpas de situações que por vezes sequer dependiam da atividade médica. Sem dúvidas, o que motiva as ações que eram intituladas como “erro” eram insatisfações das mais diversas ordens, mas atrair para o médico o conceito do erro desde o protocolo da demanda, era um caminho sem volta para a condenação prévia. O fomento para o pré-julgamento nascia na classificação da ação.
Infelizmente vivemos em tempos em que “o livro é julgado pela capa”, seja pelo pouco interesse social em se aprofundar sobre os casos antes de repercuti-los, seja pela falta de tempo a ser investido em pesquisas concretas.
A partir dessa característica, o pré-julgamento vinha ao se realizar, por exemplo, uma pesquisa breve em um tribunal e encontrar processos de determinado médico cuja classificação fosse “erro médico”. Poucos se importariam em solicitar certidões ou verificar quais daqueles processos realmente envolviam a matéria médica e ainda em quais houve condenação efetiva. Para todos os efeitos, o médico pesquisado tinha em seu nome em processos de “erro médico”.
Diante disso, a reflexão que se impõe é de quantos bons médicos passaram a ter sua condição profissional posta em dúvida por serem demandados em ações completamente infundadas, mas que eram chamadas categoricamente de “erro médico”?
Os questionamentos acima são reflexões que nos forçam a reconhecer que a utilização indevida do termo “erro médico” engana a sociedade na medida em que fomenta a presunção de culpa desde o protocolo da ação. É como se a partir da existência do processo existisse o erro, o que é uma inverdade! A presunção de culpa não é outra coisa senão a concretização da injustiça e, nos termos ditos por Barão de Montesquieu: “A injustiça que se faz a um é uma ameaça que se faz a todos”.
Em tempos de judicialização frequente contra o médico, a alteração é um alento, já que deixa de fomentar pré-julgamentos e coloca em questão a necessidade de avaliação do caso antes de se concluir pelo erro de forma substancial.
Ludmila Araujo de Ornelas Mendes.
Advogada do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal.
Especialista em Direito Médico e da Saúde.
Gutemberg Fialho
Médico, Presidente do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal.