WhatsApp
Blog
Notícias, informes, cases da Riedel e mais!

A Impossibilidade de Penhora dos Bens de Sócios de Sociedade Anônima de Capital Fechado: Argumentos Jurídicos à Luz do TST

No âmbito trabalhista, a desconsideração da personalidade jurídica visa garantir a satisfação de créditos de natureza alimentar. Contudo, há situações em que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) rechaça a responsabilização dos sócios em sociedades anônimas (S/A) de capital fechado, considerando a ausência de provas de má gestão, abuso ou desvio de finalidade por parte dos sócios. Neste artigo, argumentamos que o redirecionamento da execução para sócios de S/A de capital fechado contraria os princípios de legalidade e devido processo legal, conforme análise dos dispositivos legais e recente jurisprudência do TST.

1. Contexto Jurídico e Fundamento Legal

A desconsideração da personalidade jurídica está prevista no Código Civil (art. 50) e, no processo trabalhista, recebe respaldo no Código de Defesa do Consumidor (art. 28, §5º) sob a chamada “Teoria Menor”, aplicável ao Direito do Trabalho por força do artigo 15 do CPC c/c os arts. 769 e 889 da CLT e 790, II do CPC. Esta permite a penhora de bens dos sócios quando se comprova que a autonomia patrimonial da empresa dificulta o ressarcimento de dívidas de natureza alimentar. Todavia, o TST, por meio de recentes acórdãos, tem ressalvado a aplicação indiscriminada dessa teoria a sociedades anônimas de capital fechado, especialmente quando não há comprovação de condutas ilícitas por parte dos sócios.

2. Sociedade Anônima de Capital Fechado e a Proteção Legal dos Acionistas

A Lei das S/A (Lei 6.404/76) estabelece que os sócios de uma sociedade anônima, aberta ou fechada, possuem responsabilidade limitada, respondendo até o valor de suas ações, salvo em casos de abuso de poder ou de gestão fraudulenta. Isso visa proteger o investimento e a liberdade de iniciativa, princípios fundadores das sociedades empresariais, que asseguram que, em condições normais, acionistas não se responsabilizem diretamente pelos débitos da empresa.

O que difere uma Sociedade Anônima de Capital Aberto de uma de Capital Fechado é, nos termos do art. 4º, da Lei 6.404/76, se suas ações estão ou não admitidas para a negociação no mercado de valores mobiliários.

Sucintamente, tem-se que na Sociedade Anônima de Capital Aberto permite-se a negociação de suas ações nas bolsas de valores ou mercado de Balcão. Já a de Capital Fechado, seus valores mobiliários não são negociados no mercado de capitais; seus contratantes são identificáveis; e, por seus interesses serem essencialmente privados, sofre pouca interferência governamental.

Ainda que a Sociedade Anônima de Capital Fechado possua feição personalista privada e, portanto, seja possível a identificação de seus acionistas e o controle dos riscos sociais e econômicos, diferentemente do que faz crer o Tribunal Regional, não se confunde com a Sociedade Limitada, cuja natureza é intuitu personae, se contrapondo à natureza intuitu pecuniae daquela. Portanto, se na Sociedade Limitada os atributos personalíssimos são considerados na participação societária, na Sociedade Anônima, seja ela aberta ou fechada, vale o capital, o investimento, não importando quem está compondo o quadro societário.

Na visão do TST, “a definição por um desses tipos não é atribuição do Estado, mas, sim, de seus acionistas controladores, em observância aos objetivos da sociedade”.

Entretanto, a própria Lei das S/As, em vários artigos como é exemplo o art. 158, estabelece as condições nas quais o administrador responde pessoalmente por obrigações contraídas em nome da sociedade. Basicamente, se o administrador agir com culpa ou dolo e com violação a lei ou ao estatuto.

2.1 A Impropriedade da Teoria Menor no Caso das S/As

A jurisprudência trabalhista consolidou o entendimento de que a desconsideração da personalidade jurídica é permitida quando há tentativa de fraudar a execução, baseada em abuso de personalidade ou confusão patrimonial. Contudo, a Teoria Menor, aplicada de forma generalizada, desvirtua os fundamentos da Lei das S/A, especialmente quando acionistas minoritários de uma S/A de capital fechado, que não detêm controle direto da gestão, são forçados a responder por débitos trabalhistas sem evidência de má-fé.

3. Jurisprudência do TST sobre a Proteção dos Sócios em S/As Fechadas

Em acórdão recente, o TST reafirmou a ilegalidade da aplicação da Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica para responsabilização de sócios em S/A de capital fechado, afirmando que tal medida viola diretamente o princípio constitucional da legalidade (art. 5º, II, da CF). 

Nesse sentido, argumentou-se que a desconsideração da personalidade jurídica deve observar as condições impostas pela Lei das S/A, ou seja, somente em casos de dolo, culpa grave ou desvio de finalidade é que os sócios poderiam ser responsabilizados diretamente. In verbis:

Em acatamento aos dispositivos mencionados, ainda que não se obstaculize a instauração do incidente da despersonalização jurídica da sociedade anônima e a responsabilização do administrador no exercício de sua gestão, tal possibilidade está legalmente condicionada à demonstração de que esse tenha agido com culpa ou dolo, ou mesmo em ofensa a lei ou estatuto.

4. Princípio da Legalidade e Devido Processo Legal

A Constituição Federal assegura o princípio da legalidade e do devido processo legal (art. 5º, II e LIV). Ao impor a execução sobre os bens dos sócios de uma S/A de capital fechado, o Poder Judiciário estaria, na ausência de prova de abuso ou confusão patrimonial, desconsiderando garantias fundamentais dos acionistas, incluindo a limitação de responsabilidade, configurando uma extensão indevida dos efeitos da personalidade jurídica sem respaldo na legislação específica.

4.1 O Papel da Lei de Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019)

A Lei de Liberdade Econômica introduziu alterações no regime de desconsideração da personalidade jurídica, fortalecendo a proteção aos sócios e acionistas ao exigir comprovação objetiva de abuso da personalidade jurídica. Dessa forma, o redirecionamento de execução sem fundamento probatório viola também as disposições protetivas dessa lei, que estabelecem maior rigor na responsabilização dos sócios.

5. Conclusão

Concluímos que a penhora de bens de sócios de sociedades anônimas de capital fechado é juridicamente insustentável na ausência de comprovação de dolo, abuso ou confusão patrimonial. O TST, por meio de decisões recentes, resguarda o princípio da legalidade e do devido processo legal, reafirmando a necessidade de se respeitar o limite da responsabilidade dos acionistas e de evitar distorções decorrentes da aplicação da Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica.

Dr. Carlos Hernani Dinelly Ferreira

Compartilhe esse conteúdo:

Advocacia Riedel

Há 65 anos construindo um legado de confiança. Hoje nos fortalecemos para que o futuro continue sendo escrito com excelência e justiça.