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O crime de Abandono de Incapaz e seus reflexos na Saúde Pública

O crime de Abandono de Incapaz busca tutelar a vida e a integridade física-psíquica da vítima e prevê a conduta de alguém que deixa de prover os cuidados necessários a uma pessoa incapaz de se cuidar sozinha, seja pela idade avançada, deficiência ou outra condição que a torne incapaz de sobreviver sem assistência.

Além de ser uma violação aos direitos humanos, o delito pode trazer sérias consequências para a saúde das vítimas. Além de impactarem diretamente a vítima, também refletem de forma significativa sobre a saúde pública, sobrecarregando o sistema de saúde e criando uma cadeia de danos que poderia ser evitada.

a. Previsão legal do crime de Abandono de Incapaz

O Abandono de Incapaz, previsto no artigo 133 do Co digo Penal, dispõe a conduta daquele que deixa ao abandono, desassistida e desamparada uma pessoa vulnerável e incapaz de se cuidar sozinha, como idosos, crianças ou pessoas portadoras de deficiências físicas e/ou mentais. In verbis:

Abandono de incapaz
Art. 133 – Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono:

Pena – detenção, de seis meses a três anos.

§ 1o – Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena – reclusão, de um a cinco anos.

§ 2o – Se resulta a morte:
Pena – reclusão, de quatro a doze anos.

Aumento de pena
§ 3o – As penas cominadas neste artigo aumentam-se de um terço:

I – se o abandono ocorre em lugar ermo;
II – se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima.
III – se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos (Incluído pela Lei no 10.741, de 2003)

O crime pode ser praticado mediante ação, como abandonar fisicamente a pessoa em situação de vulnerabilidade, ou por omissa o, como na o garantir alimentação adequada, não fornecer cuidados essenciais e abandonando-a a própria sorte.

Para a configuração do crime, é indiferente se o abandono foi temporário ou definitivo, desde que por tempo juridicamente relevante, apto a efetivamente colocar incapaz exposto a riscos. O crime se consuma quando, em razão do abandono, a vítima sofre uma situação concreta de risco, independentemente se o responsável decidir reassumir o dever de assistência.

b. Responsabilidade penal de familiares e cuidadores

A responsabilidade penal do crime de abandono de incapaz somente é atribuída aqueles que tem o dever legal de cuidar da pessoa em situação de vulnerabilidade, geralmente os familiares ou, em algumas situações, cuidadores profissionais.

O dever de assistência pode ser expresso por laços de parentesco ou por uma obrigação contratual, como no caso dos cuidadores/profissionais pagos. É, portanto, um crime próprio, em que figura como autor do abandono apenas aquela pessoa que tem a vítima ao seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade.

Se inexistir o dever de assistência, ou seja, se a vítima não estava aos cuidados, guarda, vigilância ou autoridade do agente, não há crime de abandono. A responsabilidade penal somente e atribuída a quem deveria fornecer a assistência mínima para a sobrevivência digna e o bem-estar da vítima, o que inclui alimentação, cuidados de higiene, proteção contra riscos e agressões e acesso a tratamentos médicos
caso necessário.

c. Reflexos na Saúde Pública

O abandono de incapaz tem impactos diretos e indiretos na saúde pública.
Em razão das consequências graves que podem advir desse delito, como infecção, doenças, desnutrição e ate o óbito, grande parte das vítimas acabam recorrendo ao sistema de saúde público.

Segundo dados obtidos pela Secretaria de Justiça do Distrito Federal (Sejus) através da Lei de Acesso a Informação, de 2020 a 2023 houve um aumento de 161% dos casos de abandono de incapaz. Contudo, provavelmente o número real de casos seja subnotificado, já que muitos episódios ocorrem em âmbito privado, sem o conhecimento das autoridades competentes.

Conforme os números disponibilizados, as situações em que esse crime foi cometido transcorreram em uma crescente constante. Em 2020, 125 casos, em 2021, 194 casos, em 2022, 302 casos, e em 2023, atingimos a marca de 327 casos.

A sobrecarga do SUS ocorre quando esses casos resultam em hospitalizações e tratamentos de emergência, que poderiam e deveriam ser evitados com a devida assistência por parte daqueles que tinham a obrigação.

O estado de vulnerabilidade da vítima, por vezes em estado grave ou irreversível, exige tratamentos de longo prazo e recursos financeiros consideráveis, impactando a capacidade do sistema de saúde de atender outras demandas da população. Isso cria uma situação de ineficiência no uso dos recursos públicos e, muitas vezes, gera congestionamento nas unidades de saúde.

Não obstante, o impacto psicológico do abandono também é significativo. A vítima de abandono, muitas vezes, apresenta quadros de depressa o, ansiedade e traumas emocionais profundos. O cuidado inadequado pode levar a consequências psicológicas duradouras que, por sua vez, requerem tratamento especializado. O sistema de saúde, além de lidar com as consequências físicas, também deve fornecer apoio psicológico, o que amplia ainda mais a demanda por recursos e profissionais.

Em muitos casos, o abandono de incapaz envolve outros fatores de risco, como abuso físico ou psicológico, o que torna o caso ainda mais complexo para os profissionais de saúde, exigindo uma abordagem multidisciplinar acompanhada por um tratamento longo e oneroso.

A saúde pública enfrenta grandes desafios com a negligência e o abandono de incapaz. Somente com um esforço conjunto entre direito penal, políticas públicas e educação social que será possível garantir aos vulneráveis os cuidados dignos que merecem, minimizando os impactos na saúde pública e promovendo uma sociedade mais justa e igualitária.

Alexia Ruiz González Paulon
OAB/DF 76.310

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