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Os desentendimentos pessoais entre sócios e o problema da exclusão extrajudicial

Será que desentendimentos estritamente pessoais podem acarretar a exclusão extrajudicial de sócios? É o que veremos.


Imagine a seguinte situação: quatro amigos de infância, decidem abrir uma empresa, uma sociedade limitada. Registram o contrato social, sem qualquer previsão de punição ou exclusão extrajudicial por cometimento de falta grave, pois, afinal, nunca tinham visto um contrato com essas cláusulas e também porque eram grandes amigos e sempre resolviam seus problemas por meio de uma boa conversa.

Imaginemos que depois de anos e anos de trabalhos bem sucedidos, após um dia exaustivo de serviço, os quatro amigos vão confraternizar em um barzinho, e num dado momento, após uma acalorada discussão sobre política, um dos sócios, dá um empurrão de ombros em outro sócio. No dia seguinte, o sócio que foi empurrado fica sabendo da possibilidade de exclusão extrajudicial de sócios, e se pergunta se essa não seria uma forma justa de sanar uma mágoa que parecia insustentável.


Para dirimir esta dúvida, que povoa o imaginário de muitos estudantes de Direito, de pequenos empreendedores e até mesmo de grandes empresários já consolidados no mercado, o legislador trouxe uma solução intermediária, prevista no artigo 1.085 do Código Civil: Art. 1.085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa.


Vemos então alguns critérios muito específicos que devem nortear os sócios antes de uma decisão de tamanha importância. O primeiro e mais importante deles vem no finalzinho da cabeça do artigo, que é a anterior previsão da exclusão extrajudicial por justa causa no Contrato Social, devidamente registrado na junta comercial.


De uma forma bem simples, isso quer dizer que, para excluir um sócio por justa causa, é necessário que, no Contrato Social, tenha sido prevista: 1) a possibilidade de exclusão extrajudicial por justa causa e 2) os atos que são considerados de inegável gravidade.


Importante salientar, nesse sentido, que a definição dos atos graves do Contrato Social não pode ser arbitrária ou que simplesmente estejam em dissonância com o gosto ou a opinião dos sócios majoritários ou ainda que não guardem a menor relação com a atividade empresarial. Por isso, os atos previstos precisam ser tais que estejam, no momento da exclusão, afetando concretamente a continuidade da empresa. Isso significa que atos pretéritos que nem sequer afetaram o rendimento ou a vida da empresa, mas tão somente a relação pessoal dos sócios, não devem ser considerados como atos de inegável gravidade. No nosso exemplo, vemos que o ocorrido no dia anterior não passou de um incidente, muito provavelmente resultado de um dia difícil ou até mesmo de problemas pessoais do sócio minoritário.


Sócios, antes de tudo, são pessoas e ter essa compreensão pode ajudar bastante antes de tomar uma decisão tão impactante. Assim, a capacidade de resolver pacificamente os conflitos é sempre recomendável para evitar que desentendimentos pessoais extrapolem e afetem a empresa. Muitas vezes, o que afeta tanto a empresa não é nem mesmo o ato isolado do sócio minoritário, mas a tensão gerada pelos procedimentos de exclusão, sejam judiciais ou extrajudiciais. Por isso, o legislador foi tão cuidadoso ao colocar o verbo “pondo” no gerúndio, para mostrar que o ato grave não é um ato eventual, é um ato tão substancial que afeta a própria subsistência e permanência da empresa no mercado.
Outro ponto é importante é a existência de uma assembleia, de uma reunião específica para esse fim, conforme elucida o parágrafo único do art. 1.085, a não ser que haja tão somente dois sócios. O sócio minoritário deve ser notificado com antecedência da existência dessa reunião extraordinária que tratará de sua possível exclusão para que possa fazer sua defesa. Deve ser informado a ele a suposta violação ao contrato social, as cláusulas violadas e se lhe deve proporcionar o contraditório e a ampla defesa, nos termos do art. 5º, inciso LV da Constituição Federal.

O terceiro ponto é o quórum a ser seguido. Para isso, o legislador estabeleceu que a maioria é formada pelos sócios que, na soma de suas quotas, representam mais da metade do capital social. Suponhamos que no, nosso exemplo, o capital social, seja de R$10.000.000,00 (dez milhões de reais) e que o sócio minoritário tenha integralizado o espaço físico da empresa, no valor de R$4.000.000,00 (quatro milhões de reais), ao passo que cada um dos três outros sócios tenham integralizado R$2.000.000,00 (dois milhões de reais) em dinheiro, guardado na conta bancária da empresa. Em tal caso, havendo uma assembleia e se abstendo de votar ou votando contra o terceiro sócio, não haverá quórum suficiente para excluir o quarto amigo.


O último e não menos importante ponto a ser destacado é a forma pela qual se operacionaliza a exclusão extrajudicial do sócio minoritário. Como vimos acima, dispõe o art. 1.085, que a exclusão deve ser realizada por meio da alteração do Contrato Social, ou seja, farse-á, perante a junta comercial, uma nova alteração, explicitando-se a exclusão do sócio e se apresentando a nova composição do quadro societário da empresa. Nota-se, aqui, que o legislador prezou pela formalidade. Isto é, não se deve, de modo algum, enxotar o sócio da empresa, colocando-o em completo ostracismo. É preciso proceder à alteração do Contrato Social, sob pena de possível indenização por danos morais e até por lucros cessantes, a depender de cada caso concreto.


Chegamos então ao esperado momento: no nosso exercício imaginativo, a exclusão extrajudicial de sócio não seria possível, pois não há o primeiro requisito, que é a previsão no Contrato Social. Como então resolver o conflito e a tensão estabelecida pelos sócios? Será que a exclusão judicial valerá a pena? Antes de tomar essa decisão, alguns outros fatores devem ser ponderados, como a possibilidade de resolução consensual de conflitos.


Em muitos casos, a maior parte dos conflitos dá-se por dificuldades de comunicação; por pequenos atritos que se vão acumulando imperceptivelmente e acabam irrompendo numa crise. Em muitos casos, tais crises são insuperáveis e põem a empresa em risco, mas em outros tantos, os problemas são de ordem comportamental, seja, pois os sócios não conseguem se colocar no lugar do outro, seja porque, em diversas ocasiões, vê-se o exercício da atividade empresária de maneira mecânica e automatizada, sem vinculação com a vida.


De qualquer forma, a atividade empresária é uma atividade humana e, por conseguinte, está sujeita tanto às virtudes quanto aos vícios dos homens. Importante, nesse sentido, é a promoção de técnicas específicas de solução de conflitos capazes de garantir uma experiência mais profunda de (re)conciliação. Para isso, métodos não contenciosos, no âmbito do Direito Empresarial, têm se destacado no Brasil e no mundo como forma de resolução de conflitos. É o caso da mediação, da conciliação e da arbitragem que abordam aspectos específicos dos conflitos, como a descrição do problema, a análise dos interesses e das questões envolvidas, a validação dos sentimentos, a análise técnica/profissional do objeto do litígio (sobretudo quando se trata de arbitragem, no bojo do qual funciona como árbitro um especialista no assunto) e a maior flexibilidade procedimental (na arbitragem, de acordo com a lei de arbitragem brasileira n. 9.307, de 23 de setembro de 1996, pode-se escolher o direito material e processual aplicado. Ex.: posso, dependendo do que se dispôs na cláusula e no compromisso arbitral, eleger como direito material o Código Civil Brasileiro e como direito processual o processo civil estadunidense).


A resolução consensual de conflitos, portanto, vem se mostrando uma forma eficaz de administração e autocomposição das tensões societárias. Sessões de mediação, por exemplo, não só possibilitam o conhecimento dos motivos mais inconscientes do conflito, mas ajudam na compreensão dos sentimentos do outro e na proposição de soluções que sejam benéficas a todos. A conciliação, ofertada pelos tribunais, antes de se iniciar um processo, pode evitar muitas dores de cabeça e a arbitragem pode evitar processos longíssimos, dando celeridade à situações que envolvem direitos patrimoniais disponíveis. No fim das contas, é bem possível que uma boa conversa possa sim resolver problemas que antes pareciam insuperáveis

Valter Pas

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